Segundo Zimerman (1999), desde a vida intra-uterina ocorre uma fusão biológica entre o corpo da mãe e do bebê, a qual se prolonga imaginariamente no recém-nascido. Acredita-se que essa fixação vá persistir de maneira latente pelo resto da vida, sendo que poderá manifestar-se em qualquer pessoa, todas as vezes que ela sentir seu sentimento de identidade e integração ameaçado, seja no corpo ou na psique.De acordo com o autor, essa fusão primária passa a receber outros estímulos continuamente e, junto com as respectivas sensações, angústias e significações, são arquivados e registrados como representantes do ego. “São representações do corpo e que, em condições regressivas, podem expressar-se no corpo” (Zimerman, 1999, p. 191).

[…] quando o sofrimento não pode expressar-se pelo pranto, ele faz chorarem os outros órgãos. (MOTSLOY apud ZIMERMAN, 1999, p. 23

[…] o ego, antes de tudo, é corporal. (FREUD apud ZIMERMAN, 1999, p. 364)

Bastos (1993), em seu artigo intitulado “A dor é mulher?”, busca uma compreensão da dor humana utilizando o referencial da teoria psicanalítica, entendendo a dor como uma expressão pulsional. Ainda, a autora discute um novo paradigma da ciência, criado a partir da teoria do caos determinístico, correlacionando ordem e desordem, procurando uma aproximação com o conceito de pulsão.

Bocchi, Salinas e Gorayeb (2003) discutem o alcance da linguagem sobre o corpo e a presença de aspectos inconscientes na formação dos sintomas físicos, assim como a relação entre a queixa somática e a história afetiva do indivíduo. Propõem, ainda, que se realizem reflexões a respeito da importância da relação médico-paciente, levando-se em consideração, além dos sintomas orgânicos, os aspectos psicológicos.

Cezar (1999, p.32) apresenta a dor como “uma irrupção de grande quantidade de energia quando um limite é ultrapassado”. O autor relaciona com o “masoquismo primordial que Freud metaforiza”. Busca analisar “o desamparo fundamental ocasionado pela incapacidade do bebê em responder a grandes excitações sofridas” e observa a expressão da dor “nas repetições das experiências dolorosas que se impõe ao sujeito”, no decorrer de sua vida.

Segundo Zimerman (1999), para Freud, o masoquismo visava à obtenção do prazer pelo desprazer, atendendo aos mandamentos internos da pulsão de morte, sendo que esta sempre estaria presente e em fusão, de alguma forma, com a pulsão de vida. A presença dessa pulsão de morte que já se encontra no psiquismo do indivíduo, quando ele nasce, é a responsável pela existência do que Freud chamou de masoquismo primário. Já o masoquismo secundário instala-se em um segundo momento e a sua formação decorre de outros fatores, tais como os associados às culpas e suas correspondentes necessidades de castigos, assim como nas autopunições, determinadas pela ação inconsciente de um superego muito rígido e cruel.

Ainda, de acordo com esse autor, ao abordar o Princípio do Determinismo Psíquico, enfatiza que na mente nada acontece por acaso ou de forma aleatória, mas que todo acontecimento psíquico tem como determinantes outros precedentes, havendo uma relação de continuidade na vida mental. Da mesma maneira, Freud fala da multicausalidade, ou seja, várias causas produzindo um mesmo efeito.

De acordo com Zimerman (1999), ao formular a sua teoria do trauma, Freud o define como um tipo de ferida que é vivida de forma precoce pelo psiquismo da criança e que pode levá-la a um estado de desamparo. Assim, os traumas psicológicos ficam representados no ego da criança, de modo que acontecimentos que venham a ocorrer posteriormente, mesmo que sejam aparentemente banais, podem recair sobre aquelas representações traumáticas, ou evocá-las, determinando um estado de desamparo que pode vir acompanhado de uma angústia intensa, um estado de pânico ou outras manifestações sintomatológicas.

Quanto às somatizações, a psicanálise clínica e a psicanálise de investigação, de acordo com Zimerman (1999), consideram que:

  1. a) todos os indivíduos possuem uma predisposição somática, sendo que certas situações emocionais podem ativá-la, favorecendo a sua  manifestação no corpo orgânico;
  2. b) um possível represamento da libido, relacionado aos conflitos sexuais edípicos também deve ser considerado;
  3. c) os elementos psíquicos relacionados à agressão sádico-destrutiva associados à pulsão de morte, quando são negados, podem ser  representados através das somatizações;
  4. d) a predisposição dos invidíduos para as somatizações encontra-se nas experiências emocionais, narcísicas e sensuais, as quais estão associadas com os vínculos primitivos do bebê com a mãe;
  5. e) autores como Bion “situam as raízes da sensibilização dos órgãos aos estímulos existentes no período gestacional intra-uterino, que também  geram as primeiras inscrições no ego incipiente do ser humano”  (ZIMERMAN, 1999, p. 250);
  6. f) as significações, ou seja, os significados expressados através dos discursos, especialmente da mãe, “impregnam e modelam o ego da  criança em relação à relação do psiquismo com o soma” (ZIMERMAN,  1999, p. 250);
  7. g) Indivíduos com maior capacidade de expressar-se, utilizando a linguagem simbólica, são menos propensos às somatizações;
  8. h) a psicanálise moderna julga altamente relevante entender os pacientes somatizadores como indivíduos que apresentam grande  dificuldade “em conter e poder pensar as suas experiências emocionais dolorosas” (ZIMERMAN, 1999, p. 250);
  9. i) a atual linha de pesquisa psicanalítica considera menos relevante buscar explicações nas relações causa-efeito, prevalecendo “a  concepção de transformações das experiências psíquicas, as quais são  multifatoriais, não necessariamente lineares e que podem encontrar no  corpo tanto uma via de descarga, como também um cenário de     representações” (ZIMERMAN, 1999, p. 250).

por Regina Fernandes – Psicóloga CRP 06/88894

REFERÊNCIAS:

BASTOS, Liana A de Melo. A dor é mulher? São Paulo: Revista Brasileira de Psicanálise, 1993, v.27. n.1, p. 43-58. Disponível em: <http://bases.bireme.br> Acesso em 18/05/2007.

BOCCHI, Josiane Cristina; SALINAS, Paola; GORAYEB, Ricardo. Ser mulher dói: relato de um caso clínico de dor crônica vinculada à construção da identidade feminina. São Paulo: Revista Latinoamericana  de Psicopatologia Fundamental, Jun. 2003, 6(2): 26-35. Disponível em: <http://bases.bireme.br> Acesso em 18/05/2007.

CEZAR, Aurecir Cailleaux. A dor. Rio de Janeiro: Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia,  Mar. 1999,  32p.    M008CEZAUERJ. Disponível em: <http://bases.bireme.br> Acesso em 18/05/2007.

ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 1999.